sábado, setembro 02, 2006

"O que desejo é o DIREITO de exercer minha cidadania de acordo com minhas ideologias, conforme meus valores e minha visão sobre a sociedade em que vivo. Não quero "anular" meu voto, quero VOTAR NULO". Alessandro Eloy Braga.

Algumas pessoas estão pregando a anti-democracia, ou seja, o eleitor NÃO pode e NÃO deve anular o voto e tem - mesmo se não quiser, desejar - escolher um candidato nas próximas eleições. E olha que são pessoas esclarecidas! Estamos vivenciando caminhos difíceis e tortuosos neste País a várias décadas. Pois não!
Quanto ao DIREITO ao voto nulo, vou postar um artigo do professor e escritor Alessandro, de Brasília-DF. O texto é extenso, porém, bastante interessante. Aliás, tenho a mesma opinião do professor.


PELO DIREITO AO VOTO NULO
(por ALESSANDRO ELOY BRAGA, Professor de Literatura e Escritor de Brasília - contatos: alessandrobragabr@gmail.com)

"Sei que não estou só na decisão definitiva de votar nulo nesta e em outras eleições que ainda estão por vir, enquanto o panorama político brasileiro continuar sendo este que aí está: o da criminalidade pública, explícita e impune. Esta decisão é fruto de muita reflexão e consciência política e social, jamais de um pessimismo gratuito.
É uma decisão madura de alguém que não enxerga entre as opções dadas a nós eleitores uma única que seja representativa dos anseios e ideologias que nutro. Ainda mais, porque não vejo qualquer possibilidade de renovação nas atuais estruturas dos três poderes da forma como estão organizados.

O que tem me preocupado ainda mais, além de todo esse quadro político degradante que se instaurou e se tornou espetáculo televisivo e por isso banalizado, encoberto por uma falsa bandeira de democracia, é a posição hipócrita que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem assumido na promoção das atuais eleições. Posição esta que já vem sendo tomada desde que re-inauguramos as eleições diretas no Brasil. Uma hipocrisia que agora se torna ainda mais explícita. Contudo, não é algo que me surpreende, ao considerar que o TSE também é parte da estrutura e da massa falida que sustentam os três poderes no Brasil.

Na mídia, circulam, incessantemente, comerciais do TSE afirmando coisas do tipo: "o eleitor é quem detém o poder", "o Brasil é tão bom quanto o seu voto", "o eleitor precisa escolher um candidato", "o Brasil está nas suas mãos", "pense e vote". Nos comerciais, ensina-se a votar em candidatos e em branco, mas não se ensina como votar nulo. Na urna eletrônica, existem as teclas dos números, a tecla "voto branco", a tecla "confirma" e a tecla "corrige", porém não existe a tecla "voto nulo". Nas pesquisas eleitorais veiculadas nos jornais, o índice dos votos nulos vem sempre agregado ao índice dos votos brancos. Nestes três casos, todos de responsabilidade do TSE, ficam claros alguns equívocos, que, a meu ver, são propositais:

(1) no caso da propaganda eleitoral veiculada pelo TSE, tenta-se passar a falsa imagem ao eleitor que ele é quem tem o poder sobre o executivo e o legislativo, porque, teoricamente, tais poderes são formados por pessoas escolhidas pelo povo para representar o povo. No entanto, não há formas conhecidas ou divulgadas de o povo retirar, quando bem entender, qualquer um dos eleitos quando os eleitores julgam que eles não estão desempenhando suas funções como deveriam. Os políticos é que julgam tais questões ao seu bel prazer. Além disso, não é o povo que decide quanto ganhará um político, mas o político é quem decide quanto ganhará o povo, por exemplo, ou quais as prioridades sociais devem ser resolvidas primeiro. Quem manda em quem, afinal?

(2) no caso da urna eletrônica, desenvolvida pelo TSE, por que não há a tecla "voto nulo"? Nas propagandas, por que não é ensinado ao eleitor como votar nulo? Para votar, nulo, como alguns sabem, é preciso digitar um número incorreto e confirmar. Todavia, desta forma, o voto nulo passa a significar apenas "erro de digitação" e não a insatisfação com os candidatos e com a estrutura política e a intenção de não votar em ninguém, como é o caso de todos que desejam votar nulo. Por outro lado, há a tecla "voto branco", cujo significado é "para mim tanto faz". Tudo isso mais parece o final do antigo programa Você decide, da Rede Globo: "Você faz o final: quer o final 01 ou o final 02?". Na verdade, não expressamos o real desejo, porque tudo já está pré-determinado. Isso é democracia e direito ao voto? VOTAR NULO também é votar, contudo este direito nos é omitido.

(3) no caso das pesquisas eleitorais, cujos modelos também são definidos pelo TSE, associar o voto nulo com o voto branco significa tirar do voto nulo o seu real significado: a indignação. Por exemplo, se uma pesquisa mostra que votos nulos e brancos somam 12%, quantos destes são brancos e quantos são nulos? E se 10% forem nulos, significa que esta parcela da população não está satisfeita com a estrutura política e quem não vê candidato algum que mereça receber seu voto. Além disso, o TSE acaba determinando que votos nulos e brancos significam a mesma coisa, quando isso não é verdade.

Ao que me parece, vivemos em uma democracia em que não podemos ter o direito de escolha no caso de querermos ou não estes candidatos que aí estão e o que eles representam. Vivemos em uma democracia em que o eleitor é induzido, senão obrigado, a votar em alguém ou se abster, não tendo a chance democrática e clara de negar toda essa politicagem que aí está instalada. O princípio básico da democracia não existe: o direito de escolha de forma igualitária.

Mas por quê? Porque se os votos nulos forem em grande número tornar-se-á explícita a negação à estrutura política, isso não pode acontecer em hipótese alguma. Se a Lei Eleitoral não considera a anulação das eleições pelo coeficiente de 50% mais 01 dos votos (o que seria legítimo, visto que os mais votados não teriam a maioria da representatividade dos eleitores), se ela obriga o eleitor a ir votar, se o voto nulo não é computado como voto válido, se ela não dá espaço para que a estrutura política seja reprovada, isso só prova que as Leis são realmente feitas, em grande medida, para satisfazer os interesses dos que as fazem e do Sistema a quem elas servem e representam e que, em muitos casos, como na Lei Eleitoral, não é, necessariamente, o povo. Talvez, por isso, o TSE esconde o real valor e poder do voto nulo, para que a estrutura política que o alimenta continue existindo e para que seja mantida a corrupção, a hipocrisia e a roubalheira institucionalizadas que sustentam o executivo o legislativo e também o judiciário.

Porque somos obrigados a escolher entre o Nada e o Coisa Nenhuma, entre o Sujo e o Mal Lavado que aí estão. Desta forma, não é possível a nós eleitores DIZER NÃO! Afinal, como já vimos, todos parecem fazer parte do mesmo "saco". Não, o Brasil não é tão bom quanto o meu voto, como afirma a propaganda do TSE, o Brasil é tão bom quanto os políticos querem fazer dele. É muito fácil colocar toda a "culpa" nas mãos dos eleitores e não assumir a própria culpa sobre a realidade da política brasileira e suas conseqüências sociais e econômicas. Afinal, não é o eleitor quem desvia verbas destinadas a ações sociais, por exemplo, são os políticos. É como se um seqüestrador afirmasse para um pai que a culpa de sua filha ser assassinada foi dele, porque não tinha o dinheiro para pagar o resgate exigido. O TSE culpa o pobre e ingênuo eleitor que acreditou nas promessas milagrosas dos candidatos. Por que o TSE, por exemplo, não fiscalizou devidamente as campanhas eleitorais e não impugnou a eleição dos políticos que usaram caixa dois? Por que a Câmara dos Deputados não cassou o mandato de todos os Deputados que tiveram comprovado o recebimento de dinheiro oriundo de caixa dois e os fez devolver tudo? Por que os Deputados envolvidos no escândalo das ambulâncias não serão cassados e não devolverão o que roubaram?

Sugiro, então, e peço àqueles que comungam comigo deste mesmo anseio por uma democracia verdadeira, para que façamos uma campanha, a fim de que:
(1) o VOTO NULO seja representado por uma tecla na urna eletrônica;
(2) o VOTO NULO seja computado separadamente nas pesquisas eleitorais;
(3) sejam ensinados ao eleitor, nas propagandas do TSE, a possibilidade do VOTO NULO e o significado que ele tem;
(4) que o VOTO NULO seja um voto válido e que se ele representar a maioria dos votos que o processo seja anulado e novas eleições sejam chamadas e com novos canditados.

Por que votar nulo não é "anular o voto" lavando as mãos, como é o voto em branco. VOTAR NULO representa o desejo de anulação da eleição como foi proposta, das candidaturas apresentadas e do status quo político a que assistimos.

Penso que, só assim, começaremos a viver em uma democracia um pouco mais verdadeira, tendo em vista que o direito ao voto é o início de qualquer processo democrático.

O que desejo é o DIREITO de exercer minha cidadania de acordo com minhas ideologias, conforme meus valores e minha visão sobre a sociedade em que vivo. Não quero "anular" meu voto, quero VOTAR NULO.

Repito: não consigo mais compactuar com toda a hipocrisia, a roubalheira, a injustiça, a impunidade e a falsa democracia que tomaram conta dos três poderes brasileiros e que se arraigaram de tal forma em nossa cultura que já as enxergamos e convivemos com elas como se fossem o comportamento correto, o modelo a ser seguido e perpetuado eleição após eleição. Contudo, por fim, o que esperar de um país em que aqueles que têm oficialmente o poder para fazer uma reforma política são, justamente, os que mais se beneficiam desta estrutura política podre que aí está?".

COMENTÁRIO: "Existe política além do voto", frase em um cartaz no largo da Carioca no dia 28 de agosto 2006, pela defesa do voto nulo. Pois é!