quinta-feira, agosto 18, 2005

Flávia foi morta duas vezes
Artigo enviado pelo amigo Paulo Corrêa, cujo teor, concordo e assino em baixo.

Depois de ser brutalmente assassinada por um psicopata, penso que Flávia foi também morta no dia 15/08, pela TV Jornal, após o veículo de comunicação ter exibido o corpo da jovem em estado de putrefação.

Se essa cidade fosse realmente séria, a empresa de comunicação não estaria no ar no dia seguinte. Mostrar corpo carbonizado não é Jornalismo, nem aqui e nem na Conchinchina. É, no mínimo, sensacionalismo. É um ato desumano. Um desrespeito à memória da estudante e aos familiares.

O Jornalismo não é espetáculo. O Jornalismo não é show de bizarrice. O Jornalismo, em sua essência, tem um papel educativo, nunca de degradação. Ficou claro que a empresa jornalística explorou de maneira perversa o assassinato. Classificou de "Jornalismo" um evento de horror, apenas para atender interesses mesquinhos que vão desde a audiência ao prestígio pessoal.

"Mostrar a verdade", não é exibir corpos mutilados. O Jornalismo busca construir recortes da realidade para se aproximar da verdade. Assim ele cumpre com sua função social. Desconfie do veículo que alardeia mostrar a verdade. Não passa de presunção. É uma tentativa de tapear o leitor, o telespectador ou o ouvinte.

O Jornalismo, neste caso específico, contribuiria ao desvendar a identidade do assassino. Apurando as motivações do crime, descobrindo quem está por trás, instigando a Justiça a agir rápido. Esse é o papel da empresa jornalística quando cumpre com seriedade, por meios dos seus profissionais e acionistas, sua finalidade na sociedade. O jornalista profissional zela pela ética e respeita o público. Não se porta como animador de platéia.

Por sua vez, os proprietários do veículo de comunicação são responsáveis pela qualidade do conteúdo da programação. O canal de TV é uma concessão pública, não é de propriedade Fulano ou Zicrano. É cada vez mais crescente a consciência da opinião pública deste aspecto. Por esta razão programas populares estão desaparecendo. As empresas, na era da responsabilidade social, temem ver os seus produtos ligados a programas infames.

A empresa jornalística não está acima da lei. Assim como outras organizações, ela tem um limite e deve respeitá-lo. A busca pela construção da verdade exige sensatez. Nem tudo o que é interesse público é de interesse do público, ensina o jornalista crítico da mídia Alberto Dines.

Mas, infelizmente, o Jornalismo é o espelho da sociedade em que vivemos. Se se explora o corpo carbonizado de uma jovem, a dor de uma família, sobre a falsa argumentação de que é Jornalismo e a sociedade age com passividade, é sinal de que estamos realmente doentes.

Em uma cidade séria, a televisão seria alvo de repúdio público. O Ministério Público agiria rápido e os jornalistas independentes questionariam a postura grotesca da TV. Os parlamentares viriam a público questionar se a TV Jornal está fazendo bom uso da concessão pública.

Em uma cidade lúcida, Flávia não seria morta duas vezes. Repórteres bateriam à porta do dono da empresa para perguntar: "E se fosse um parente próximo? As imagens seriam exibidas sobre a alegação que se deve mostrar a 'verdade'? De que se trata de interesse público?". Isso numa cidade, não em um lugarejo omisso.

Paulo Corrêa
Estudante de Jornalismo
www.pautalivri.blogger.com.br